Double
Double n’est pas deux…
Je suis moi. Et moi!
Seul.
Un couple d’une pièce
l’être ratifié
l’ego plausible.
Celui qui s’aime
sans décalages.
J’habit en moi
avec moi.
Nul part ailleurs.
Un double dans l’espoir
d’un tiers.
Afin de me fondre dans un lien
et devenir deux…
Avec un autre.
Fernando Oliveira
Os quatro judiciosos
O Cristão folgazão.
O Ateu fariseu.
O Muçulmano bacanão.
O Judeu plebeu.
O Cristão almejou de repente num sitio nada católico
Como não tinha à mão, nem núncio, nem apostólico
Não recebeu eucaristia nem benção cardinal
Unções necessárias ao trajecto até ao último tribunal.
Durante a viagem celeste sentiu que lhe faziam falta
Parou e sentou-se na sua nuvem alva, na zona do céu mais alta
Rezou e chorou, tanto, tanto e tanto, que de momento adormeceu
Passaram séculos e séculos e ali inamovível permaneceu.
Até que uma nuvem mais escura, que cavalgava um ateu
Chocou com a nuvem clara, que estagnava o inanimado
Este acordou e de repente atarantado, e percebeu
Que rezar e chorar sem estanque, não era perdão contado.
O ateu tinha feito a viagem até ali, num só lanço
Estava com pressa de denunciar, a crença embriagada
Desembaraçado de lamurias, andou leste e sem descanso
E foi então que bateu na branca e ditosa, nuvem parada.
O choque fez estremecer os céus, com rastos de fogo vivo
É Nosso Senhor, diz o Cristão, que me envia um castigo
Não pode ser bom homem, se diz que tem a consciência ligeira
Foi a minha condução agnóstica, que originou a asneira.
Logo vamos arranjar a coisa quando cessarem, os trovões
Descanse, reze ou chore que eu não sou, contra distinções
Quisera mas não pudera como poderia ter dito Tadeu
Que seja cristão respeito, e muçulmano, ou até mesmo judeu.
E os contrários seguiram viagem em nuvens, desniveladas
O alvo voava por cima pois em caso de fortes, trovoadas
O mais escuro o salvaria como se fossem favas contadas
Era o privilégio pensava, das suas crenças oficializadas.
Quando chegaram ao tribunal, as portas estavam cerradas
Não havia alma que viva, salvo duas paixões, estacionadas
Uma longe da outra no parque celeste, muito bem arrumadas
Eram o Muçulmano e o Judeu mudos, surdos e de trombas viradas.
Estavam ali há séculos especados, à espera da abertura
Bateram, tocaram, chamaram, e até tactearam a fechadura
Nâo atendidos, ali ficaram beatos, na esperança da ventura
Que o juiz viesse um dia, julgar os seus com brandura.
Os comparsas mais recentes poisaram as nuvens no meio centro
Um rezava louvores, o outro cantava fado e assim passavam o tempo
Milénios depois ainda lá estavam, com as filosofias usadas pelo vento
Pouco a pouco aproximaram-se, com receio, depois mais a contento.
Foram os quatro bater à porta, com arrojo, tinham perdido o medo
Ninguém respondia de dentro, dialogaram e decidiram assembleia
Fizeram boletins com as penas das asas para votarem, no segredo
Depois do escrutínio decidiriam quem pagaria a ultima ceia.
Votaram todos à unanimidade e declararam, isto é falta de respeito
Como ganhamos todos em aprumo, entre nós nâo mais haverá pleito
O Juiz rompeu o pacto, vamos legislar novos modelos de acção
O primeiro mandamento, é amar o homem com fiel e uno coração.
Os quatro foram para a loja festejar e beber o cálice purgado
Chincaram os copos destemidos e ditaram em conchavo
Agora somos nós que julgamos toda acção ou pecado
Se o antigo aparecer veremos se é culpado.
Assim, com uma alada viagem de xadrez complicado, de quatro tipos almados
Uniram as forças úteis, para resolverem contendas, e qualificar os pecados
O Juiz reformou-se em qualquer planeta triste, para onde fora desterrado
Reza e chora todos os dias para ser bem ajuizado, e dos homens ser perdoado.
Fernando Oliveira
Transparência
Entre o ser e o parecer...
O quadro é tão mais belo quanto é visto através de obstáculos.
A rima critica, antes do olho fogoso.
Quando a visão torneia e exalta no cinzelar da imagem que corteja,
por entre todas as curvas de sombra,
todos os enganos do sol.
O negativo e o positivo
o atractivo e a indecisão.
Quando cautelas desmatam e desmontam
os artífices duma criação,
as janelas de ilusão.
E descortinam
enfim o retrato que engendraram.
Além da aparência!...
A transparência.
Fernando Oliveira
Sonho
A meditação perscruta além do factível.
A consciência morre no sono e condensa o corpo sanguíneo.
Levando-o para o estado de cera fria. Um gelo subtil que
liberta o véu do subconsciente para o activo transe.
Nesta ambígua prostração. Um simples cantar de grilo
pode romper as fronteiras. Tão ténues,
que ninguém sabe, onde residem o sonho e o sono.
Peculiares cicatrizes da natureza.
No lapso sem nome
o olhar indiviso viaja até ao núcleo da resenha.
Um oceano engenhoso
onde o decurso dorme
e o tempo não sopra.
Fernando Oliveira
Corpo de pedra
Que ares respira
a matéria feita de areias
esmagadas pelo martelo do criador
que a fez
forma decretada...
Não tem veias
mas veios
cravados nas eras de movimento
Os cabelos inanimados dramatizam a indecisão do autor
e
os olhos de íntimo tosco
virados para a configuração
esquematizam resquícios de ordem orgânica
na espera dum cirurgião doutra via
A infusão de sangue no plano do arquitecto
A imagem romantiza a gesta do herói
num alicerce agreste e nobre
Ainda tem margens
como o ovo gema
e as bordas claras
É pedra
carne e pão
Alma que depois de nada medra
e sentirá saudades na erosão
Fernando Oliveira
Amigo ou ilusão
Ainda és
um peito cheio de marés
Ver-te aparecer de repente
como uma cepa de colecção
nascida na candeia dum mago
Um braço de trigo outro de vinho
os olhos repletos de cortesia
Resides na minha retina
como uma estampa animada
É reconfortante a presença do amigo
Já não creio em nada
senão em ti
No meu espelho conveniente
vejo-te na redoma que engenhou o afecto
O coração nu de véus de valente
para o abraço pudico e sanguíneo.
Pura ilusão! Este é um amigo invejoso
Fernando Oliveira
Desespero
Nada mais espera!...
Caiu num chão tão puro
como o aço do punhal num peito amaldiçoado
que fere além da morte.
Sem conhecer a mensagem da lâmina
afundou-se num sono imundo.
Que lhe extirpou o desejo de acordar.
Caiu sem morrer!...
na água-surda animada de desânimo
num fundo estóico
de espelho incógnito.
E ali ficou na infâmia gémea
ânsia de sublimar um chão fértil
que engenhasse a sua reabilitação.
Que dos seus ombros ineptos
nascesse a faísca indócil.
Que levariam os seus cabelos até um altar. Onde.
Pela dinâmica duma tempestade de fogo
Um fio mais agudo que o cume da lâmina
consumisse o punhal que a prostrou
no desespero.
Fernando Oliveira
Caiu num chão tão puro
como o aço do punhal num peito amaldiçoado
que fere além da morte.
Sem conhecer a mensagem da lâmina
afundou-se num sono imundo.
Que lhe extirpou o desejo de acordar.
Caiu sem morrer!...
na água-surda animada de desânimo
num fundo estóico
de espelho incógnito.
E ali ficou na infâmia gémea
ânsia de sublimar um chão fértil
que engenhasse a sua reabilitação.
Que dos seus ombros ineptos
nascesse a faísca indócil.
Que levariam os seus cabelos até um altar. Onde.
Pela dinâmica duma tempestade de fogo
Um fio mais agudo que o cume da lâmina
consumisse o punhal que a prostrou
no desespero.
Fernando Oliveira
Corpo de delito
Disseram-me que não era
- alguém -
deram-me um nome
- corpo de delito -
Que fiz eu para me ab-rogarem
a identidade
nas margens augustas
Se era o molde que queriam matar...
que me afogassem na sede da culpa
onde as labaredas
comem tudo
até o último poro da razão
Que culpa teve o meu corpo
se era o meu espírito
o réu
Porque não queimaram a minha história
rifando a rima
a rama e a raiz
Abandonaram-na
inglória
no sangue-frio imperecível da rigidez social
Mostrando restos que já não existem
exibindo aos olhos da orbe
um trofeu amputado
Um desenho sem complacência
Que crime surrou os meus apontamentos externos
que ficaram como um desassossego
no espelho dos meus juizes
Quem sou eu
agora
senão a ofensa do corpo usual
um quadro feio
É aquilo que mostro...
Mais o tesão...
Com este farei justiça.
Fernando Oliveira
Châtiez et laissez-moi choir
Châtiez et laissez-moi choir
Blessé par le feu de l’enfer désuet
Reflué de l'abysse, sans être jugé
L’esprit redevient chair déchiré
Voilà les yeux, d’un cas circonspect
Qui quémandent la racine du mal
L’anguleuse quête, du reflet vivant
Une vie ancienne ruinée de devant
Par l’étincelle d’une créature bestial
Avant que le trépas, soit un signe plat
L’âme roussie, veut réveiller le bien
Instruire la cité avachie, et l’agrégat
À présent, le temps n’est plus le sien
L’âme veut un acte funèbre sans éclat
Le repos éternel, est son seul dessein
Fernando Oliveira
Deux pas de danse
Deux pas de danse
Je suis excité comme une puce, vierge
A l’idée de danser dans l’estrade de l’art
Je me sens mimée, comme une marmotte
Extraite de son tardif, et lugubre hiver
J’ai chaussé mes plus beaux escarpins
Et je danse nue, j’ai oublié l’oripeau
Resté au fond, de mon ancestrale vie
Ou j’étais aussi ambiguë, que le ver
Je cambre mes jambes, l’une après l’autre
Ma démarche feutré, est véridique poésie
Je me trouve mignonne, frôlant le sol étoile
Je dédie ce ballet aux amants de tous les arts
Fernando Oliveira
Qui suis-je ? !…
Qui suis-je ? !…
Assez !… Je n’en peux plus. De vos avanies
Voulez-vous ? !… Dévorer aussi mes os
Ayez pitié de mon âme !… Qui suis-je ?
Pauvre poussière. Issue du ventre sidéral
Je ne dors que d’un œil. Dans les cieux avertis
Je tiens le recueil de tous vos forfaits. Bien à jour
Alors ressaisissez-vous. Laisser vivre les étoiles
Voyez-vous mes mains ? Elles sont l’empreinte
Du cri des druidesses. De l’affliction des naïfs
Comme un timbre collé dans une tombe sordide
Je veux être la dernière victime de vos méfaits
Faites renaître de visages heureux sur la terre
Peignez la vie des êtres. Avec l’humus de bonté
Ou alors !… Gare à vous. Je peux aussi. Être cruel…
Fernando Oliveira
Eaux de renaissance
Eaux de renaissance
Entortillé dans mon infertile destin
j’absorbe l’humidité par la racine
j’emplis mes yeux d’eau mondaine
Que je puisse pleurer abondamment
Les jours de mes malheurs ou liesses
les nuits démunies de scènes de désir
Je veux être, une rosière chatoyante
Je décante mon morne sort, dans l’auge
avant de me rouiller, comme un rivet
planté dans mon ego, hypocondriaque
Si je sors lavée, de ce bain bienheureux
je m’ornerais, de ma robe couleur de miel
et me baladerais dans le casino de la vie
Je jouerais alors, ma plus belle partition
Fernando Oliveira
j’attends un regard
J’attends un regard
Il est quelque part, dans l’empilement de pierres
mon regard !…
Je ne veux pas, m’approvisionner
dans la dérision
Sauvage, je reste ébahie à ses côtés
nous sommes deux, et aussi mes pieds
Qui attendent, d’être annexés
dans la berge, temporelle forge
Je suis un être de pierre, en formation
déjà sanguine, je trépigne devant l’option
Qui m’offre des yeux, bleus marins
et des pieds de ballerine
Je veux, un ventre de madone
et être asexué, comme les anges
Une bouche, en forme de mandrine
des seins doublés, de sucre et de sel
Je ne suis encore, qu’une perspective
Remerciant le dessin de l’architecte
Je veux être, et ne pas paraître
J’attends qu’on m’offre un regard…
Fernando Oliveira
um olho facto.. o outro abstracto
um olho facto.. o outro abstracto
abri a cortina - e fiquei cega
que estava quase chumbada
apenas olhava por uma fenda
não sabia a cor do sol
mas sei quantas estrelas existem
abri a cortina e fiquei nua
da cor de terra ferrugenta
timidamente como um lobrigar
destrui o cimento de fora
por não gostar do retrato
voltei para o olho abstracto
Fernando Oliveira
abri a cortina - e fiquei cega
que estava quase chumbada
apenas olhava por uma fenda
não sabia a cor do sol
mas sei quantas estrelas existem
abri a cortina e fiquei nua
da cor de terra ferrugenta
timidamente como um lobrigar
destrui o cimento de fora
por não gostar do retrato
voltei para o olho abstracto
Fernando Oliveira
conatural preceito
conatural preceito
ela.. e a mesma.. num frontão de janela
os véus cobrem a gémina inefabilidade
um jogo de quereres para cada metade
mel doirado.. num púcaro de canela
como duas parteiras.. irmanadas
uma namora.. a outra aspira a corte
nos pés.. juntas.. de carão consorte
um autismo.. de faces concordadas
vivem irmãs.. mas terão uma só morte
no anfiteatro.. uma nesga de fractura
aparece como um subliminal recorte
apenas um engatinhar de tortura
que não encontra.. firme suporte
no harmónico enredo de ternura
Fernando Oliveira
um fio de ouro.. outro de cinza
um fio de ouro.. outro de cinza
enrolada no tapete da inexistência
a fonte criadora.. implode na escuridão
quebrou-se-lhe o espelho da resistência
o cinzeo quadro da indiferença
absorveu a ideia da revolução
a objectividade ficou nua de crença
o tumulto aglomera-se na aurora
e avoluma-se no zénite da cidade
tudo adentra.. como um revés de fora
o porte ínclito.. é baixo ventre sem espora
a passividade ganhou letras de caridade
enraizadas num peito.. túmulo e escora
o fio de luz.. acaba no velório da cegueira
a visão do além.. é auriflama inglória
indefinido provento.. férrea fronteira
indeferido o tempo.. vê na fresta freira
o zumbido iconoclasta duma memória
asilada na prudência.. da inerte cabeleira
Fernando Oliveira
a água abraça a pedra
a água abraça a pedra
és pedra dura.. meu amarro
mais densa que a minha água
mas eu nasci de ti
tal estilhaço de fraga
és o meu abraço de mãe
a minha tomba
o violentar dos meus pés
és o meu pai
somos todos nus.. neste espaço
eu calço a tua semente
exaro-me na areia fria
da tua multiplicação
não sou.. que um veio de transpiro
o idioma que te chama
sou um nó das tuas veias
ente.. procrio também
sou como tu.. pai e mãe
mas apenas breve sopro
Fernando Oliveira
passos de cata
passos de cata
sofro de não ser Madalena.. intrigante
e de não saber chorar
sofro de ser minguante
como cio.. sou face esperta ao luar
castro-me na noite.. evito a claridade
tenho cabelos sem vento
e um vestido sem idade
sou um ponto.. clarão de momento
fujo.. fujo.. mas devagar
esperando que olhos me tomem
no falso melancólico madrugar
sou lua cheia.. vazia de homem…
Fernando Oliveira
sofro de não ser Madalena.. intrigante
e de não saber chorar
sofro de ser minguante
como cio.. sou face esperta ao luar
castro-me na noite.. evito a claridade
tenho cabelos sem vento
e um vestido sem idade
sou um ponto.. clarão de momento
fujo.. fujo.. mas devagar
esperando que olhos me tomem
no falso melancólico madrugar
sou lua cheia.. vazia de homem…
Fernando Oliveira
trilogia e metamorfose
trilogia e metamorfose
agora.. a nossa resposta é moura
o nosso lenço amadureceu no teu cabelo
já não somos toucas
mas loucas
já não somos moucas
mas rebelo
agora.. agora.. o nosso peito estoura
qual de nós.. é aquela que sobra…
temos seis olhos.. que se unem em dois
quem chorou de mais…
as três… somos germes de berros iguais
apenas.. os circunflexos nacionais
nos impedem de olhar.. para um depois
onde.. a interpelação não seja manobra
e se há qualquer coisa no quadro.. que falta
é a nossa coragem.. de abarcar a ribalta
cabeça coberta.. peitos abertos ao luar
e um abrir de boca.. que faça tudo troar
Fernando Oliveira
o homem visita o homem
o homem visita o homem
a desculpa de não saber quem era
invernada na antiquíssima espera
ninguém se readquire no museu de cera
a cena humana está cheia de abelhas, que obram a teia
nenhuma delas depõe o mel em casa alheia
e o homem apraz-se no submundo da quimera
a mostra e, o comprazimento
de cera e, o mel como alimento
“ o homem visita o homem
porque não se lhe dá mais nada a ver “
Fernando Oliveira
o rosto na arte
a folha do poeta
alquebro da sombra
os teus olhares
Os teus olhares
Os teus olhares, se bem que plurais, são singulares
Visonhas, vindas das reminiscências de Guernica
A de-multiplicação esparramada de, Picasso
Pela multiplicação aparamentada, adensa de, Lima
Como o poeta, rimas ou desramas, empilhas rostos
Como na poesia, estes formam o painel da centelha
A tua arte, alcança a minha, na imagem que é freira
A minha, sobra da tua, ou orna o quadro que não diz
Os dois, somos poetas e pintores, um lê, o outro olha
Fernando Oliveira
um outro olhar
mar dos meus sonhos
mar dos meus sonhos
I
os meus sonhos sombrearam num mar de escolhos
que a lua gulosa sorveu no horizonte
eram sonhos orvalhados, que amarrei em molhos
e que tinham brotado de deleitosa fonte
II
resta-me ainda, uma nova quadra para sonhar
idílios em serões, ou em manhãs de abrolhos
e se, sem obstáculos, um novo mar encontrar
pedirei à lua, que seja a menina dos meus olhos
Fernando Oliveira
o silêncio dos desejos
ficar no pensamento
visitei as coxas de Júpiter
visitei as coxas de Júpiter
a chuva encharca-me a pele e atinge os ossos, que se derretem
e caem em charco, que deriva para o rio e, o rio para o mar
o mar salga-os e deixa-os livremente, se evaporizar
para nuvens enigmáticas em céus aleatórios
viajo assim nos ventos instantes, até recair em novo charco
derivar para novo rio, e desaguar em novo mar
salgados e eternos ossos, que esperam o solidificar
que a chuva cesse e, que um sol vermelho de sangue os venham secar
visito as coxas de Júpiter e leio as carnes novas
quero caber num corpo, vestido de pele imune à chuva
Fernando Oliveira
engenha-me
engenha-me
sabes.. que ontem não vivi e.. que amanhã não sou
estou hoje aqui.. colhe o que quiseres de mim
sou ainda.. mais raro e sensível que a crisálida
tanto que me recrias.. fico contigo.. não vou
se não o fizeres.. ficarei simplesmente assim
com o ontem e o amanhã.. hoje.. estátua esquálida
Fernando Oliveira
evasâo
duas torturas
duas torturas
nas faces em trânsito de reunião
uma fisionomia de duas torturas...
o arcaico na indagação do recente
duas metades de pusilanimidade
ou… a desventura do analogismo…
não há solução para o matrimónio
se o adulterino ab-roga a colagem
como duas patentes sem assinatura
dobra-se o plano e a mostra soçobra
no ósculo frio e fixo.. sem recobro...
Fernando Oliveira
nas faces em trânsito de reunião
uma fisionomia de duas torturas...
o arcaico na indagação do recente
duas metades de pusilanimidade
ou… a desventura do analogismo…
não há solução para o matrimónio
se o adulterino ab-roga a colagem
como duas patentes sem assinatura
dobra-se o plano e a mostra soçobra
no ósculo frio e fixo.. sem recobro...
Fernando Oliveira
céu dos meus sonhos
céu dos meus sonhos
como luares reflectidos nos mares
o espelho.. amarrado à cintura
multiplica o céu.. lisonjeia o firmamento
de astros e de estrelas.. mas não de fúrias
de entusiásticos esmorecimentos.. não de imprecações
o fascínio da menina.. não cria imagens cruéis
nem um quadro desafectado.. de cena pura
precisa de anjinhos frívolos.. fibras de lourecer
não de lúgubres e crus.. panoramas datados
de transitar.. nas vias fulvas das suas quimeras
até que o espelho se parta.. e lhe faculte o facto
remediasse que fosse.. quando… na última idade
e que o seu olhar.. sempre lá permanecesse
mas a vida cresce e o céu escurece.. o olhar amadura
os céus são agora.. para.. a quem o espelho lega
Fernando Oliveira
a fuga da sereia
a fuga da sereia
na trajectória da corrente.. um rascunho
que interpela o depenado ancoradouro
um vestido de azul tino.. feito de humidade
e uma cabeleira que pinga.. sal de desterro
recusou ser sereia.. de flutuar no rochedo
onde deixou um salmo de espiral vestígio
agora avança no clima de cimento e cacimba
descalça e encoberta pelo dialecto que cala
o oceano.. só vê transparência.. quieta-se na crença
que a maré cheia.. resgate pelo menos o calçado
e que a boémia sereia.. o venha à noitinha buscar
que se arrependa da evasão.. e volte para o mar
Fernando Oliveira
camuflagem pictural
camuflagem pictural
já não são saltimbancos.. os pés que vieram da cidade
torneias ainda no salão.. esfregado com cera inimiga
ainda golpeias o pão com amor.. mas róis a fatalidade
e a orquestra adormece ao som do teu chorar de formiga
já não se apagam luzes.. para se acenderem esperanças
tudo morre lentamente com os últimos acertos do violão
no armário.. apodrecem os vestidos encenados pela tua mão
e no peito.. os cabelos caiem um a um.. das tristes tranças
espantoso quadro.. que te leva a sonegar a obra do artista
na morte que queres.. que refuta o seu pincel de resguardo
morres na tinta.. que insinua um febril derrear cabalista
e revives nas rendas esfomeadas duma trajo frio e pardo
agora.. és madorra justificada.. em obra cortês assinada
pareces bela.. mas os olhos já não prosseguem viagem
terás existido na realidade.. ou foste bengala desejada
chove na praça da arte e eu autentifico o personagem
Fernando Oliveira
o mesmo luar
o mesmo luar
heis aqui.. o painel dos meus sonhos.. a praça humana
o único pavimento.. que faz inchar os meus sobrolhos
falta-lhe a arquitectura social.. de Pierre Joseph Proudhon
o homem.. é igual ao homem.. frustrado da propriedade
tem a fatia monolítica.. que não morre com a cor da pele
como um melão.. aformoseado de costelas autorizadas
governa a semente.. que o fez raiz.. o tronco que o faz pólen
tudo o prediz.. o prolóquio do louro.. flutua na terra escura
alguém descoloriu o sentido rudimentar do seu corolário
e branqueou o centro.. a praça desaba.. a cor desfaleceu
entre as medidas de arroz.. não há pepitas de opulência
apenas bocas grandes.. bocas pequenas.. na praça severa
e deus que morre de saudades.. da laical antemanhã
onde tudo.. eram rostos sobrepostos.. nas bancas noviças
um borbotar de ebúrneos e mestiças.. o mesmo luar
o homem aprendeu a segregar o homem.. na tenra idade
Fernando Oliveira
cascas de ruína
cascas de ruína
somos feitos de carne e osso
com algum acreditar de alma
que se gasta no capricho da morte
quem se gasta.. a alma ou o tórax…
os dois adoptam o inexorável
como cegos de agonia branca
que procuram o escuro para ver
fica o envelope de pele nomeada
e um fluxo de aforismos que se escoam
de uma lápide vedada
onde jaze o corpo.. egoísta de alma
Fernando Oliveira
rimas e encruzilhadas
rimas e encruzilhadas
a ânsia é demasia
o rosto pretende evasão do lar conforto
ao bordo da elegia
dum fado morto
a flutuação leva-o à desunião especada
e à escusa excogitada
a hesitação fabrica a teoria tríplice
ficar.. avançar.. separar.. são índice
o ensaio é realizado
o presente é enganosamente povoado
o resultado é estagno
medo do engano
o futuro.. improvável imersão
os olhos residem na pós-visão
o caminho não tem leitura
os olhos divisam a lisa impostura
no seu rígido convite à evasão brancura
uma dança cinzenta e impura
um passo na retaguarda
palpites de resguarda
dois passos em frente
e um olhar saudoso e.. indigente
os eventos que o olhar procuram.. são rimas encruzilhadas
os braços açambarcam o caminho
mas ficam com a raiz no ninho
de causas em estações.. atazanadas
Fernando Oliveira
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